sexta-feira, dezembro 30, 2011

Perguntaram a um surdo se era preciso ouvir as palavras para ler. Ele não ouviu a pergunta e pediu que a escrevessem num papel. Sob a pergunta, ele escreveu:
- De forma alguma, ler é outro sentido. Além disso, os que ouvem dizem preferir ler em silêncio.
Perguntaram a um cego se era preciso ver para crer:
- De forma alguma, sequer é preciso ver para ler.
Perguntaram a um leitor por que ele lia:
- Leio por que são palavras, fossem desenhos, veria.
Perguntaram a um escritor por que ele escrevia:
- Escrevo porque são letras, fossem apenas traços, desenharia.

quarta-feira, dezembro 28, 2011

Finais

"Tenho 72 anos. Olho para os meus filhos e para meus netos e penso em que diabos de histórias se meterão e o que é que um dia eles poderão contar. Porque um homem é feito de histórias, não é de DNA e músculos e ossos. História."
Os livros que devoraram meu pai, Afonso Cruz, ed. LeYa.

Repare na "História", com H maiúsculo. Afonso Cruz não está chamando de ficção.

"Quando entro no apartamento, ouço o choro de um bebê."
Ainda existem aveleiras, Georges Simenon, tradução de Celina Portocarrero, ed. L&PM

Faltaria aqui, talvez, o final de Brás Cubas, uma das frases preferidas da nossa literatura:
"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."
Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis, Nova Aguilar.

Os dois primeiros finais foram de livros que ganhei de Natal e me fizeram lembrar do otimismo ingênuo de Brás Cubas de achar que o legado dele seria o mesmo legado de todos e que sua não descendência hereditária poderia fazer alguma diferença sobre a marcha geral da insensatez humana.

Quanto ao livro de Simenon, foi uma releitura. Parte pelo livro em si, parte para conhecer uma tradução da Celina Portocarrero, recentemente minha professora numa oficina de tradução da Estação das Letras. Gostei da tradução e já gostava do livro, só que pensei que fosse outro. Agora estou com um problema. Achei que o Ainda existem aveleiras fosse outra história, a história de um rapaz judeu que tem questionamentos sobre a própria fé, que recebe a orientação de um rabino (que lhe explica que acreditar ou não é uma escolha semelhante à escolha de um time de futebol pelo qual você queira torcer), que se casa com uma não judia, que se converte ao judaísmo para se casar com ele. Isso é o que eu me lembro do livro, e, pensando bem, não tem nada a ver com Simenon. Coisa que li há mais de 20 anos. Talvez algum livro do Isaac Bashevis Singer, mas também não creio que seja não. E também não faço ideia de porque misturei um livro com o outro. Sei também que esse livro misterioso influenciou a minha escolha por ter fé, ou pelo menos de tentar ter, e por isso quis recuperá-lo e o inclui na minha lista de presentes de amigo oculto. So que, com o título errado, o livro errado. Tenho fé de que o encontrarei, mas, se não for uma questão de fé, que seja de esperança. Esperança de reencontrar um livro cujo título e autor eu esqueci, mas cujo conteúdo nunca me deixou. A memória da gente é uma coisa engraçada. O outro não deixa o legado de sua (nossa, diz ele, presunçoso) miséria para um filho, mas deixa suas memórias escritas para serem lidas e relidas por milhões (?) de pessoas pelos séculos dos séculos amém. (Será que é algum outro livro do Simenon? Mas porque Simenon escreveria sobre os questionamentos religiosos de um rapaz judeu? Não faz muito sentido para mim.)

segunda-feira, outubro 31, 2011

Soco ou mão estendida?

Volta e meia, leio nas resenhas literárias que a prosa de fulano é como um soco na boca do estômago. E isso é um elogio.
Eu me sinto nocauteado há muito tempo por uma certa literatura, um cinema, ou uma certa arte. Não me sinto bem. Não acho que o box literário seja um bom caminho de leitura para mim. Não gosto da angústia, muito menos concordo que seja algo a ser buscado. Não concordo que essa náusea existencial seja a condição final do homem. Não quero isso para mim. Estou cansado.

Existem escritores que não nos espancam, e nem por isso lhes falta vigor. Sinto isso em relação ao Ítalo Calvino, ao Herman Hesse, ao José Saramago. Aos cronópios e famas de Julio Cortázar (mas não em relação ao detestável, egoísta e desorientado Horácio Oliveira, incapaz de amar). Alguns escritores, em vez de nos socarem e tripudiarem de nossa miserável condição, acenam para nós de dentro de uma frágil piroga que chegou  à terceira margem do rio. São textos que não chafurdam na escuridão de mistérios que podem simplesmente não existir. Alguns mistérios tolos, que insistimos em criar. Contra os quais insistimos em nos debater com nossa impotência. Ou que, se existem, existem e ponto. Prefiro a luta para não me deixar arrastar pelo impossível, não para mergulhar e me perder nele. Não nego o Horror, mas não o festejo. O que me deixa cada vez mais nauseado é a violência, sempre tão gratuita, mais e mais.

"A gente estava levando agora o Sorôco para a casa dele, de verdade. A gente, com ele ia até aonde ia aquela cantiga."

Existem textos que são como cantigas, que nos acompanham até o fim, que nos levam de volta para casa, de verdade. Não falseiam nossas perdas, não negam a loucura, mas, em vez de socos, nos estendem a mão.

"Profundamente, até o chão, inclinou-se Govinda diante de Sidarta, que se conservava sentado, imóvel, e cujo sorriso chamava à memória do amigo tudo quanto ele amara no curso da sua vida, tudo quanto já se lhe afigurara precioso e sagrado."

Existem textos que nos libertam.

"Quais imprevistas idades de ouro prepara, você, malgovernado, você, precursor de tesouros que custam muito caro, você, meu reino a ser conquistado, futuro..."

E neste ponto, consigo encontrar algum sentido na literatura.

sexta-feira, outubro 07, 2011

Tranströmer, o cágado de Paulo Henriques Britto e o Nobel

Os prêmios Nobel são: Química, Física, Fisiologia ou Medicina, Economia, Literatura e Paz. Não tem Nobel para Música, Artes Plásticas, Filosofia, História, nem para Cinema. Tem para Literatura. E para a Paz. Literatura, "na verdade, uma outra forma de vida", como diz Paulo Henriques Britto, no seu Macau, seu livro de poesia premiado.
E quando o Nobel de Literatura vai para um poeta, traduzido para mais de 30 idiomas (mas não para o Brasil), o "cágado com as quatro patas viradas pro ar", do Paulo Henriques Britto, agita as patinhas mais intensamente. Não sei se para comemorar ou se, ainda tentando se virar, para fugir, se esconder numa cova úmida sob um tronco apodrecido, e continuar lá o seu trabalho silencioso, solitário, e inesquecível.
"Tranströmer", lembra trovoada. Transtorno. Quem vai traduzi-lo para português?


PS: Obrigado pelo link, Denise Bótima!

domingo, setembro 18, 2011

A massagista japonesa - Moacyr Scliar

Adoráveis as crônicas do Moacyr Scliar. A ignorância é uma benção porque nos permite sempre conhecer novas coisas. Nunca tinha lido nada de Moacyr Scliar. De vez em quando compro um livrinho de bolso da L&PM para levar num ônibus ou metrô. Numa dessas, foi essa antologia de crônicas. Espero não estar infringindo nenhuma lei ao copiar uma delas aqui. Uma bem pequena.
Decisão
Um homem vai ao médico para saber o resultado do exame; chocado, ouve o veredicto: aquilo que mais temia aconteceu, o exame revelou câncer. Quanto tempo me resta, pergunta o homem, a voz trêmula. Não muito, responde o médico, penalizado mas decidido a nada ocultar: não adianta varrer a sujeira para baixo do tapete. Não refeito do golpe, o homem sai à rua. O sol brilha, as pessoas caminham apressadas, mas ele já está longe de tudo, sente-se como encerrado numa espessa redoma de vidro na qual não penetram os ruídos nem os odores. Mas o homem não se deixará abater; reagirá, é o que resolve. Já que tem pouco tepo de vida, fará as coisas que sempre teve vontade de fazer. A primeira delas: vai ao escritório onde está empregado como contador e manda o patrão, que o oprimiu durante anos, à merda. Antes que o homem se refaça da surpresa, ele sai, não sem dizer à secretária que ela é muito, muito boa, ao que ela reage admirada, mas não desagradada. Volta para casa, conta à mulher o que aconteceu. Ela chora naturalmente, pergunta o que ele pretende fazer. Nada, ele diz. Pescar. Sempre gostou de pescar, e é o que fará agora: irá para a praia, passará os dias pescando.
Nem chega a arrumar os caniços. O telefone toca: é o médico, aflito mas alegre. Trocaram os exames no laboratório, ele anuncia, você não tem câncer, é uma simples inflamação.
Uma simples inflamação: o homem deixa-se cair na cadeira, perplexo. Que fará agora? Agora que mandou o patrão longe, agora que pretendia passar os dias pescando (se possível, isto ele só pensou, acompanhado da secretária boa)? Que fará agora, pensa, aterrorizado, agora que não tem câncer?
in Moacyr Scliar, A massagista japonesa,  ed. L&PM, pág. 78.

Humor cáustico, às vezes ingênuo, antigo e terno.

quarta-feira, setembro 14, 2011

Desejo que não quer deixar de ser desejo

"Em hebraico, diríamos um 'desejo de Shalom'. O Shalom que normalmente traduzimos por 'paz' significa 'estar inteiro'. Nós não estamos em paz porque não estamos inteiros, daí a razão pela qual nós também chamarmos isso de desejo de 'realização': realizar o Ser, o Self que nós somos. O homem realizado é aquele que alcançou o Tudo no qual ele pode, enfim, conhecer a plenitude e o apaziguamento.
"Para alguns, o Ser, o Self, é o fim do desejo. O que mais poderíamos desejar além do "tudo"? Para outros, uma experiência de plenitude, de inteireza, em que há lugar para o outro14, é possível. Ela dá lugar a um outro desejo, desejo do Outro, que não é apenas desejo de ser desejado, mas desejo do Outro que é querido por si mesmo na sua alteridade e não como um Ser que preenche meu desejo; pelo contrário, como Ser que aviva o meu desejo, água viva que jamais sacia completamente a minha sede..." (sublinhado meu)

E a nota da tradutora:
14 No original francês: "Pour d'autres, une expérience de plénitude, d'entièreté, qui 'n'affiche pas complet' est possible". O autor procura passar a idéia de uma pessoa inteira, mas que não se apresenta como auto-satisfeita, cheia de si mesmo, sem um lugar para o outro em sim. Ele fala de alguém inteiro, mas não completo ou repleto; o "completo" só é possível graças à presença do outro (N.T.). (subl. meu)

Deus não existe! (...eu rezo para Ele todos os dias), Jean-Yves Leloup, trad. Karin Andrea de Guise, editora Vozes, p. 28.

Não é bacana essa ideia de um desejo que não quer ser saciado para poder continuar desejando e buscando? É a antiga crítica à ideia do sábio na montanha. Acho que foi em O fio da navalha, do Somerset Maugham, em que aparece algo como "é mais fácil ser santo no alto de uma montanha", e o Larry (era Larry o nome do protagonista, eu acho), após uma experiência de iluminação mística, volta ao mundo para ser motorista de táxi e escreve um livro sobre pessoas que tiveram sucesso na vida. Algo assim. Nada muito diferente do percurso de Jesus Cristo, que se afastou durante anos para depois retornar para pregar, e praticar, seus mandamentos fundamentais, de amar a Deus e ao próximo.

Esse desejo que se quer desejo sempre é essa nossa necessidade de busca constante, e que já recebeu tantos nomes em tantas áreas do conhecimento. E ao mesmo tempo, aceitarmos a ideia de que somos seres desejantes pode nos ajudar a conviver com essa insaciedade. Talvez, parte dessa iluminação, ou realização, ou como quer que queiram chamar, seja exatamente aceitar e amar essa incompletude tão completa e plena.

Lembrei que encontrei essa ideia, talvez pela primeira vez, lendo Murilo Mendes, que, em algum lugar, disse que a fé, para ele, era uma fonte de inquietação, não de certezas. Acho que foi no livro de memórias A idade do serrote.

É a tal da sabedoria humilde, porque se reconhece incompleta e ignorante. É o combustível da busca, a gasolina da inquietação e, até mesmo, da angústia existencial.


Independente de crenças ou descrenças.


quinta-feira, setembro 08, 2011

A chave da memória

(...) Na manhã da segunda-feira tio Hakim continuava falando, e só interrompia a fala para rever os animais e dar uma volta no pátio da fonte, onde molhava o rosto e os cabelos; depois retornava com mais vigor, com a cabeça formigando de cenas e diálogos, como alguém que acaba de encontrar a chave da memória.
Relato de um certo oriente, Milton Hatoum, ed. Companhia das Letras, 3a. ed. p.34.
A associação foi instantânea. Essa "chave da memória" deve estar naquela casa das chaves em que a Emília, ao invés de desligar a chave da guerra, desliga a chave do tamanho e a humanidade se vê reduzida a dimensões liliputianas. Na história de Monteiro Lobato, Guliver ficou sendo o porco Rabicó. A chave da memória também deve ser a madeleine de Proust, ou o ratatouille servido ao crítico de gastronomia Anton Ego.

A chave da memória deve ser do tipo que tem senha. É preciso lembrar os números na seqüência certa. E devem ser várias chaves, uma vai abrindo a outra. E a gente vai lembrando das coisas à medida que essas chaves vão sendo usadas. E vamos esquecendo à medida que as vamos perdendo. E é tão esquisito achar uma chave que não se sabe de onde é. Na rua, no fundo de uma gaveta, numa caixa de coisas avulsas.

Uma vez, herdei a mesa de trabalho do meu avô paterno. Uma mesa enorme, de madeira escura. Quando me mudei, tive que me desfazer da mesa, mas guardei a chave. Por um bom tempo. Agora a chave foi perdida também. Mas ficou comigo por tempo suficiente para eu ainda poder vê-lo trabalhando em sua mesa, com penas de metal, caneta tinteiro, mata-borrão, numa época em que as canetas Bic já eram banais havia muito tempo. Ele mantinha criteriosamente suas contas em dia,  em caderninhos, livros-caixa. Uma caligrafia perfeita. Deixava a gente experimentar aquilo tudo, sujar os dedos de tinta. Ganhei também a caneta tinteiro dele. Minha tia, irmã mais nova do meu pai, a deu para mim há alguns anos. Meu pai. Eu bem que queria achar a chave da memória dele. Vou "fazer de conta" e pedir um pouco de pó de pirlimpimpim para a Emília, para dar um pulo na casa das chaves. E a chave da memória acaba sendo a ficção mesmo. Faz de conta que...



 

Sidarta, o jejum e a terceira margem do rio

Sidarta encontra-se com o comerciante, que lhe pergunta o que sabe fazer. Sidarta responde que sabe "pensar, esperar e jejuar".

"- E que valor têm esses conhecimentos? O jejum, por exemplo. Para que serve o jejum?
- Para muita coisa, meu caro senhor. Para quem não tiver nada o que comer, o jejum será a coisa mais inteligente que se possa fazer. Se, por exemplo, Sidarta não houvesse aprendido a suportar o jejum, estaria obrigado a aceitar hoje mesmo um serviço qualquer, seja na tua casa, seja em outro lugar, já que a fome o forçaria a fazê-lo. Assim, porém, Sidarta pode aguardar os acontecimentos com toda calma. Não sabe o que é impaciência. Para ele não existem situações embaraçosas. Sidarta pode agüentar por muito tempo o assédio da fome e ainda rir-se dela. É para isso, meu caro senhor, que serve o jejum."
 Sidarta, Hermann Hesse, tradução de Herbert Caro, ed. Record.

Reli Sidarta na recente viagem familiar a Minas Gerais, onde não jejuei, com toda a certeza. Não sei jejuar, tampouco pensar ou esperar como Sidarta. Sei, só de saber, não de ser mesmo, no entanto, que liberdade não é poder ter aquilo que se quer, mas simplesmente saber não querer. Não precisar, não ambicionar e, no limite, não ser. Não sei se é algo que eu queira aprender. Também desconfio que é o tipo de coisa que não se encontra na literatura. Ou se encontra? Ou se desencontra?

Ao final do livro, Sidarta toma o lugar do barqueiro, ajuda as pessoas a atravessar um rio. Ele, no entanto, já completou a travessia , na verdade, atravessou para a terceira margem do rio. O rio.

***

PS.: A conclusão de O conde de Monte Cristo:
"- Querido - disse Valentine -, o conde não acaba de nos dizer que a sabedoria humana cabe inteira em duas palavras?
"Esperar e ter esperança.""

O conde de Monte Cristo, Alexandre Dumas,
trad. André Telles e Rodrigo Lacerda, ed.Zahar

E assim, três textos literários tão díspares acabam se encontrando num post de blog porque um leitor encontrou neles um significado comum. É, literatura também é encontro, além do desencontro.

sábado, agosto 27, 2011

Alexandres Dumas, mosqueteiros e Monte Cristo

Um feliz reencontro com esses clássicos que a gente lê em adaptação quando estamos descobrindo a literatura sem saber e agora temos em tradução integral. Edições caprichadas da Zahar, traduzidas e anotadas por André Telles e Rodrigo Lacerda.
Espero que venham mais.

domingo, agosto 07, 2011

Doris Lessing, Virginia Woolf e a crítica literária

Escreve Doris Lessing na introdução à coletânea A casa de Carlyle, de Virginia Woolf:
Ela é uma escritora que alguns adoram odiar. É doloroso quando alguém cuja opinião você respeita profere um discurso de antipatia, ou mesmo de ódio, por Virginia Woolf. Sempre quero argumentar com essas pessoas: mas como você não consegue ver quão maravilhosa ela é... Para mim, suas duas grandes realizações são Orlando, que sempre me faz rir, um livrinho tão espirituoso, perfeito, uma preciosidade, e Passeio ao farol, que penso ser um dos melhores romances da língua inglesa. Mesmo assim, gente dotada do mais fino discernimento não consegue encontrar nada de bom a dizer. Quero protestar, afirmando que sem dúvida não se deveria dizer "os horríveis romances de Virginia Woolf", "o tolo Orlando", mas sim "eu não gosto de Virginia Woolf". Afinal, quando pessoas da mesma categoria, de discernimento equivalente, adoram ou odeiam o mesmo livro, o mínimo de modéstia, o mínimo de respeito pela notável profissão de crítico literário seria dizer: "Eu não gosto de Woolf, mas esta é apenas a minha inclinação."
Destaquei o final, pois essa sempre foi a minha opinião. Não gostar de um artista é uma questão pessoal. Não reconhecer a importância, o talento, a habilidade e o que mais um artista de quem não gostamos tem de positivo, é uma questão de discernimento. Existem uns tantos escritores que já li bastante, como Raduan Nassar, por exemplo, que julgava adorar, mas que, com o tempo, descobri que me fascinava, como o grotesco às vezes nos fascina, mas de quem não gosto. Mas quem pode, honestamente, dizer que Lavoura arcaica não é um livro fascinante? Ler gente assim, como Virginia Woolf, Raduan, ou Clarice Lispector, que escrevem coisas desagradáveis, que nos incomodam, e dizer que são ruins porque nos incomodam é confundir a obra com o efeito que ela nos causa.
E no caso de um crítico literário, ou resenhista, desmerecer uma obra por não ter gostado dela sem reconhecer que isso meramente é uma questão de gosto não é uma atitude de honestidade intelectual, mas sim de preconceito. Você pode dizer por que não gostou, até mesmo por que achou ruim. Mas também pode, e deve, dizer que não gostou, apesar de ser bom. E, principalmente, aceitar simplesmente que outras pessoas gostem de coisas que você acha um lixo por que encontram lá coisas que servem a elas e não a você, ou que até mesmo enxergam qualidades que você, ou eu, não tívemos olhos para ver.


O Fábio Sombra chegou da Flip e me trouxe uns livros de presente, um deles foi esse, A casa de Carlyle e outros esboços, de Virgínia Woolf, traduzido por Carlos Tadeu Galvão. Uma coletânea organizada por David Bradshaw e publicada aqui pela Nova Fronteira, com a citada introdução de Doris Lessing. Também me trouxe dois lançamentos do Rubem Fonseca, outro autor com quem passei a implicar mas que, mais do que reconhecer o valor, reconheço que me influenciou num nível tão pessoal que extrapola até mesmo a literatura. Só questiono se essa influência foi positiva ou negativa.

sexta-feira, julho 15, 2011

Banquete dos Mendigos: "NO PRINCÍPIO ERA O VERBO: SOBRE A IMPORTÂNCIA DA PRIMEIRA FRASE..."

"(...)Numa época de leitores impacientes, a primeira frase é quase uma cantada. Seu poder de sedução tem de ser forte, para que o leitor siga adiante."

Assim escreve o irmão Adriano no seu blog.

As primeiras frases que me vêm à cabeça?

"Encontraria a la Maga?"
E
"In a hole in the ground, there lived a hobbit."

Talvez as únicas que consegui memorizar, e tão curtinhas... E são de livros enormes, imensos, titânicos. E começam de maneira tão singela. Num deles, o amargo Oliveira, noutro, o puro e obstinado Frodo. Quem diria. De universos tão distantes, foram se encontrar nas minhas mãos leitoras. Frodo virou personagem de cinema. Oliveira, desconfio, poderia ter sido personagem de um filme da Nouvelle Vague, sei lá. Agora, acho que será cada vez mais esquecido. A culpa é dele mesmo, pois, no final, desencontrou-se da Maga, desencontrou-se de si, enfiou-se num barril de bosta onde resolveu se afogar. Sucumbiu a si mesmo. Frodo salvou-se. Não totalmente, mas sobreviveu a si mesmo.

E a frase que citei do Adriano, citei porque reforça essa minha impressão de que hoje os livros entram numa competição de vida ou morte com os outros meios, basicamente, os audiovisuais e a leitura expressa da Internet. Se não pegar o leitor de cara e "puxá-lo pelo nariz", como escreveu Cortázar, pode considerar o leitor perdido. A passagem do livro de papel para o digital tem bastante a ver com essa história. Algo como "se juntar ao inimigo". Mas não, não considero o livro digital um inimigo, a literatura digital sim, ainda é nova demais para merecer o respeito que um dia ainda poderá conquistar, transformada em alguma outra coisa.
Minha dificuldade não costuma ser com a primeira frase, mas com a última. Se não tenho um final, sou incapaz de iniciar o que quer que seja. Preciso de conclusões. Não gosto de mistérios que não se revelam. Não me importo nem um pouco de saber do final de um livro, ou filme, antes mesmo de conhecer o começo. O suspense persiste, pois sempre é preciso descobrir como se chegou até ali. Que o diga Homero, que já sabia disso desde o princípio, com sua história que começa in media res, como ensinava o Junito Brandão.

terça-feira, julho 12, 2011

The dream of the return

"Viajar la vida entera
por la calma azul o en tormentas zozobrar
poco importa el modo si algún puerto espera"

Pedro Aznar, letra, Pat Metheny, música. (http://www.pedroaznar.com.ar/poesias_popUp.php?mode=3&id=505)

Não há maior desamparo do que não ter para onde voltar, ou para quem voltar. Esposa, mãe, pai, família, terra natal, amigos. Regressar, reencontrar.

Em geral, esses regressos são internos, pois os lugares se vão, as pessoas também, mas o fato é que não nos deixam, não saem de nós. Os afetos, ou as mágoas. Regressar, reencontrar, redimir e reconciliar. A busca de uma vida muitas vezes é um esforço de regresso para si mesmo.

Retomar um velho texto datilografado e revivê-lo.

sexta-feira, julho 08, 2011

Os três mosqueteiros

Na introdução que Rodrigo Lacerda escreveu para sua tradução "definitiva" de Os três mosqueteiros, pela editora Zahar, acabo de ler o seguinte parágrafo:
"Tradicionalmente, Os três mosqueteiros era um volume obrigatório na biblioteca dos meninos e adolescentes, que se fazia acompanhar por outros clássicos romances de aventura: A ilha do tesouro, Robin Hood, O Sheik, Beau Geste, Ivanhoé, Tarzan, O último dos moicanos, Vinte mil léguas submarinas (para citar apenas um Júlio Verne), Winnetou etc. De piratas caolhos, passando por homens-formiga, soldados da Legião Estrangeira e índios americanos, tudo nesses livros era ação e emoção." (pág. 13-14)
Familiar, não? Desses aí que ele listou, li a maioria. Creio que todos em traduções adaptadas, muitos daquela coleção Clássicos da Literatura Juvenil, da Abril Cultural, outros tantos nas versões de bolso da antiga Edições de Ouro. Alguns resgatados em sebos, ou das prateleiras de uma biblioteca pública, como a Regional da Lagoa, onde pude encontrar praticamente todos os livros do Tarzan, jamais reeditados, muito menos retraduzidos. Aliás, se fossem relançados agora, os livros do Tarzan seriam vendidos com tarja preta e advertências de se tratar de literatura racista, muito provavelmente. Pois é, e eram mesmo. Racistas, colonialistas, imperialistas, mas absolutamente deliciosos e viciantes (o que agora virou elogio).
Para várias gerações, esses títulos foram a porta de entrada para a literatura. Existe um poema do Drummond em que ele se refere a sua leitura do Robinson Crusoé, não lembro do nome nem do livro em que está, agradeceria muito se algum leitor que se perdesse por aqui e soubesse, me ajudasse a refrescar minha memória.
Para os meninos esquisitos, que não jogavam futebol (bem, isso ainda é assim), muitos desses livros nos acompanharam na hora do recreio e em inúmeras outras horas da solidão acompanhada que os livros nos proporcionam.
Boa parte desses livros estão virando filmes, ou sendo refilmados pela enésima vez. É o caso dos Três mosqueteiros, cujo novo trailer já está passando por aí. Possivelmente, estará cheio de adaptações. O trailer já dá ideia de uma ação bem mais intensa do que em qualquer outra versão anterior. Possivelmente, a história ficará em segundo, terceiro, décimo plano. O que vale agora é muita coreografia e efeitos especiais. Bom, melhor não fazer juízos preconcebidos e esperar pelo filme. Mas desconfio que será algo muito diferente dos Três mosqueteiros que eram quatro, e que se transformavam em cinco, quando eu entrava na história. Aliás, continuavam a ser quatro, pois eu, quando os lia, me transformava imediatamente em D'Artagnan.
O fato é que esses livros não pegam mais a molecada de hoje. Perderam o espaço nas prateleiras para a nova literatura inaugurada pelo Harry Potter. Quem não gosta do HP? Eu gosto. Li tudo, vi os filmes e curti. Também curti as versões cinematográficas do Senhor dos anéis. Mas, meus filhos não leem o que eu li (e guardei, esperançosa e ingenuamente, para eles ao longo de várias décadas). Acham velho, os volumes não os atraem, a linguagem não empolga e é difícil.
Nostalgicamente, sinto mesmo saudades das tardes com a cara enfiada numa daquelas adaptações "juvenis", que, quando muito, tinham minha audiência disputada por um filme velho do Jerry Lewis ou do Elvis Presley na Sessão da Tarde. Agora, os livros compartilham a curtição juvenil com os chamados conteúdos da Internet ou da TV a cabo. Imagine só se quando eu tinha 10 anos existisse um canal de TV com desenhos 24 horas? Teria lido bem menos, com toda a certeza. Não os culpo, só lamento que coisas boas assim estejam se perdendo, substituídas por outras que não empolgam a mim, mas empolgam a eles. Sejam felizes, pois, com certeza, são bem mais "sociais" do que eu fui.