quarta-feira, novembro 28, 2007

O tempo da leitura

O tempo para leitura é um dos mais subjetivos que há. O da escrita também, mas isso é outra conversa.
Muita gente diz que há muito tempo não lê um livro por falta de tempo. Mas, não é por isso não, é por falta de coisas interessantes para ler. O Harry Potter, por exemplo. Todo mundo leu. Cada novo volume era um tijolo maior e as pessoas os lêem em dias, ou horas, eu inclusive.
Li o último volume em praticamente um dia, certamente em menos de 24 horas. Era uma necessidade, era preciso acabar para me livrar daquilo, da necessidade de ler o que eu já sabia, que Harry não ia morrer e que venceria o Voldemort. Quem é que não sabe o final da maioria das histórias que lemos (ou assistimos no cinema)? Não se trata de chegar ao final, mas de tudo o que acontece até lá. E, se a história for envolvente, o tempo da leitura invade o tempo de tudo o mais. "Mas", alguém pode dizer, "isso é leitura de consumo". Claro que é. E daí? São letras, palavras, frases, parágrafos e páginas, a base de toda a leitura. O tempo, na verdade, é aquele que precisamos para compreender o que lemos. Se a compreensão é direta e sem floreios, a leitura corre. Se precisamos elaborar e refletir, invariavelmente, o tempo diminui.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Tradução de livro sobre tradução (Eco)

Fiquei muito honrado por receber um comentário de JK em meu blog, não conhecia meus poderes mediúnicos de atrair vozes do além. :)
Bom, JK, brincadeiras a parte, o que você escreveu foi:
" É curiosa essa coisa de tradução de um livro sobre tradução. Gostaria de ter mais opiniões a respeito..."
Acho que a tradução de um livro sobre tradução não é diferente da tradução sobre qualquer outro assunto, a não ser talvez por ser algo que desperte um interesse diferente por parte do tradutor. Eu vou falar mais sobre isso quando terminar de ler o livro do Eco, o que deve acontecer em breve. Existem alguns pontos de interesse sim e vou comentá-los. Essa conversa começou lá na comunidade dos tradutores/intérpretes do Orkut, não teve grandes desdobramentos, mas, obviamente é um tema de especial interesse para quem traduz.
Por ora, estou gostando bastante do texto traduzido. Não conheço a tradutora, Eliana Aguiar, mas conheço a Raffaella, que fez a revisão técnica e sei que ela tem background teórico, acadêmico e prático, para garantir um trabalho bem feito

Afora isso, JK, espero que você esteja com boa saúde e mais vivo, ou viva!, que um peixe na água fria!

domingo, novembro 18, 2007

Fantasma, José Castello

Apenas para registro memorial. Estou lendo esse livro do Castello a passo de lesma, em meio a tudo o mais (resenhas, traduções, cão operado na casa dos pais, filhos, dívidas...)
Estou me divertindo muito, é um humor como o rombóite, que não existe mas dói. Creio ser o único romance publicado dele. Em um passeio fantasmagórico por Curitiba, em que a própria cidade tem mais atmosferas do contornos. Espero, ao final, poder escrever mais longamente sobre o livro. Até por que, convivo em meu dia-a-dia com curitibanos típicos
deslocados no Rio de Janeiro. Pessoas por quem tenho profundo afeto, respeito e admiração e a sorte de serem meus sogros.

sábado, novembro 10, 2007

Originalidade

Não existem duas pessoas iguais no mundo. A diversidade é o que nos dá a certeza de que a literatura, e a arte de modo geral, podem sempre encontrar caminhos de renovação. Foi assim e não vejo qualquer motivo para que isso mude e que seja possível decretar a morte de qualquer
forma artística. A humanidade se renova, as sociedades se modificam, as cabeças acompanham, quer queiram ou não. E o que se escreve, fatalmente reflete isso.

Assim também como o que se lê. Uma mesma obra tem a força de se renovar com os tempos, com novas leituras de novos leitores, ou com novas leituras de um mesmo leitor, ou releitor.

Volta e meia me caem nas mãos livros de autores "novos". Seja para fazer uma resenha, seja para um parecer editorial. Todos são diferentes e originais, o que não quer dizer que sejam necessariamente bons por serem originais. Quer dizer apenas que a renovação é sempre possível. Por isso estamos sempre em busca de novas leituras, de autores novos ou antigos.
Cada leitura é sempre uma primeira vez.

quarta-feira, outubro 24, 2007

Quase a mesma coisa, Umberto Eco

Estou começando a ler o Quase a mesma coisa, do Umberto Eco, tradução de Eliana Aguiar e revisão técnica de Raffaella Quental, pela editora Record.

Um livro sobre tradução do Umberto Eco é ótimo para a nossa quase invisível profissão. É importante chamar a atenção para o nosso trabalho. Em geral, quando falam de tradutores e tradução é para botar defeito, raramente se escreve na imprensa algo sério sobre o ofício.

Fora isso, o Eco fala de coisas que, quem traduz, já sabe há muito tempo, mas é bom ver em livro, principalmente livro de Umberto Eco. Por exemplo:

"(...) O tradutor, ao contrário, sempre traduz textos, ou seja, enunciados que aparecem em algum contexto lingüístico ou são proferidos em alguma situação específica." (pág. 49)
É importante que as pessoas percebam isso muito bem. Muita gente acha que traduzir resume-se a traduzir palavras, bastando para isso olhar no dicionário. Para os clientes que compram tradução, isso é especialmente importante. Quando dizemos a um cliente que cobramos por palavra, às vezes perguntam coisas do tipo "E as palavras repetidas? Tem diferença de preço para palavras grandes e pequenas?". Aí, é preciso explicar que a palavra (ou lauda, ou página, ou caractere) é apenas uma unidade de cobrança, que na verdade, o trabalho do tradutor é traduzir o texto como um todo.

O tipo de leitura que um tradutor faz do texto é algo para um outro post. Por enquanto, fico por aqui, só para não parecer que o blog estava abandonado de vez.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Cesar Aira

Eu não conhecia. Fui conhecer ao ler dois livros para resenhar para O Globo. O resultado está aqui:
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/post.asp?cod_post=48706
É o primeiro argentino que leio a fugir descaradamente da sombra onipresente de Borges ou do projeto de totalidade do absurdo de Cortázar. Diferente de tudo o que já li.

Nada contra Borges ou Cortázar, muitíssimo pelo contrário. Mas, como o próprio Aira disse em alguma entrevista que achei ao fazer as pesquisas para a resenha, Borges é uma presença tão forte na literatura argentina que é preciso um esforço para se livrar dele.
Acho que isso vale para todo mundo. Ler Borges é uma experiência total de literatura e é muito difícil "livrar-se" de sua influência. Uma influência tão forte, que essa nota era para ser sobre Cesar Aira e acabou sendo sobre Borges! Mas, Cesar Aira, como eu disse na resenha, dá uma gargalhada na cara da literatura. Uma ruptura necessária na mesmice. Recomendo para qualquer escritor iniciante. É a tal fuga dos clichês, a "quebra dos paradigmas" (argh!).

O sonho de Kafka

Na página 48, do livro Sonhos, de Franz Kafka, traduzido por Ricardo F. Henrique, ed. Iluminuras, está o sonho a partir do qual escrevi o conto Kopakabana. Eis aqui:

"Sonho há pouco: com meu pai andando de bonde em Berlim. A atmosfera metropolitana era dada por inúmeras cancelas destribuídas a intervalos regulares, pintadas em duas cores e com as extremidades rombudas e polidas. De resto, tudo era vazio, mas a quantidade dessas concelas era enorme. Chegamos a um portão, descemos do bonde sem perceber, atravessamos o portão. Atrás dele começava uma parede muito ingreme que meu pai foi escalando quase dançando, com tanta leveza que balançava as pernas no ar. Sem dúvida era uma certa desconsideração o fato de ele não me ajudar, pois eu me esforçava muito para subir, ia de quatro e escorregava várias vezes, como se a parede se tornasse ainda mais íngreme sob meu corpo. Também era muito desagradável o fato de a parede estar coberta de excremento humano que ia grudando em mim, aos flocos, sobretudo no peito. Abaixando o rosto eu percebia a sujeira e tentava limpar com a mão. Quando finalmente cheguei no alto, meu pai, vindo do interior do edifício, abraçou-me e cobriu-me de beijos. Ele vestia uma farda imperial da qual eu bem me lembrava, curta, fora de moda, estofada por dentro como um sofá. "Esse Dr. von Leyden! É um homem extraordinário!", exclamava sem cessar. Mas ele não tinha visitado o homem como médico, mas como alguém que vale a pena conhecer. Eu tinha um certo receito de que me obrigassem a também ir até ele, mas não foi o caso. À esquerda atrás de mim vi um homem sentado de costas num aposento que era todo de vidro. Ficou claro que era o secretário do professor e que meu pai na realidade só falara com ele, e não com o professor em pessoa, mas que mesmo assim tinha reconhecido os méritos do professor através do secretário, de modo que realmente podia julgar o professor como se tivesse falado pessoalmente com ele.

Diário, 6 de maio de 1912
"

Comprei o livrinho numa das mais autênticas livrarias do Rio de Janeiro, a Leonardo da Vinci, por preciosos R$ 33,00.
Agradeço de coração as palavras amigas dos colegas tradutores, da comunidade orkutiana Tradutores e Intérpretes.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Kopakabana

Como disse aí em baixo, em janeiro, fiz a oficina do José Castello, na Estação das Letras. Foi muito bom, pena que foi curto.
Ele passou dois exercícios. Leu a narrativa de um sonho de Kafka para nós e pediu que escrevessemos algo a partir disso. O outro "desafio" era escrever sobre Copacabana sem escrever sobre Copacabana. Ou seja, fizemos uma lista de 50 palavras proibidas, incluindo praia, areia, calçadão, turista, mulher, sol, pivete, camelô, enfim, todas esses clichês infalíveis sobre o Rio e, mais especificamente, sobre Copa. A idéia era fugir dos lugares comuns e tentar falar do bairro de maneira inusitada. Parece que consegui.
Eu juntei as duas coisas e escrevi Kopakabana (http://tinyurl.com/yuxfdd), o "professor" gostou e recomendou a publicação no Rascunho. Está lá, para quem quiser ver.
Faz tempo que o Rio de Janeiro não é mais o Rio de Janeiro. Estamos afundando numa cidade cinzenta, como um cenário de Kafka e estamos nos transformando em insetos, sim. Esse conto mostra como eu, leitor, leio a nossa cidade, cada vez menos tropical. Naturalmente, essa é a leitura que eu faço do meu conto. Mas, no momento em que outra pessoa ler, o conto passa a ser dela e ela (você?) será o autor da sua leitura.
Vou procurar o sonho de Kafka que está por trás da minha história para colocar aqui.
Kafka foi uma leitura importante para mim, acho que ninguém passa incólume por ele. Li umas tantas coisas, faz muito tempo e tudo meio que se mistura. Acho que essa mistura está presente nisso que eu escrevi. Chamam a isso de influência, nesse caso, bem explícita e intencional. Curioso pensar nas influências que não conseguimos identificar. Será que todos os escritores de que gostamos influenciam a gente? Acho que sim, a idéia é essa. Literatura é influência.