terça-feira, fevereiro 27, 2007

Cesar Aira

Eu não conhecia. Fui conhecer ao ler dois livros para resenhar para O Globo. O resultado está aqui:
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/post.asp?cod_post=48706
É o primeiro argentino que leio a fugir descaradamente da sombra onipresente de Borges ou do projeto de totalidade do absurdo de Cortázar. Diferente de tudo o que já li.

Nada contra Borges ou Cortázar, muitíssimo pelo contrário. Mas, como o próprio Aira disse em alguma entrevista que achei ao fazer as pesquisas para a resenha, Borges é uma presença tão forte na literatura argentina que é preciso um esforço para se livrar dele.
Acho que isso vale para todo mundo. Ler Borges é uma experiência total de literatura e é muito difícil "livrar-se" de sua influência. Uma influência tão forte, que essa nota era para ser sobre Cesar Aira e acabou sendo sobre Borges! Mas, Cesar Aira, como eu disse na resenha, dá uma gargalhada na cara da literatura. Uma ruptura necessária na mesmice. Recomendo para qualquer escritor iniciante. É a tal fuga dos clichês, a "quebra dos paradigmas" (argh!).

O sonho de Kafka

Na página 48, do livro Sonhos, de Franz Kafka, traduzido por Ricardo F. Henrique, ed. Iluminuras, está o sonho a partir do qual escrevi o conto Kopakabana. Eis aqui:

"Sonho há pouco: com meu pai andando de bonde em Berlim. A atmosfera metropolitana era dada por inúmeras cancelas destribuídas a intervalos regulares, pintadas em duas cores e com as extremidades rombudas e polidas. De resto, tudo era vazio, mas a quantidade dessas concelas era enorme. Chegamos a um portão, descemos do bonde sem perceber, atravessamos o portão. Atrás dele começava uma parede muito ingreme que meu pai foi escalando quase dançando, com tanta leveza que balançava as pernas no ar. Sem dúvida era uma certa desconsideração o fato de ele não me ajudar, pois eu me esforçava muito para subir, ia de quatro e escorregava várias vezes, como se a parede se tornasse ainda mais íngreme sob meu corpo. Também era muito desagradável o fato de a parede estar coberta de excremento humano que ia grudando em mim, aos flocos, sobretudo no peito. Abaixando o rosto eu percebia a sujeira e tentava limpar com a mão. Quando finalmente cheguei no alto, meu pai, vindo do interior do edifício, abraçou-me e cobriu-me de beijos. Ele vestia uma farda imperial da qual eu bem me lembrava, curta, fora de moda, estofada por dentro como um sofá. "Esse Dr. von Leyden! É um homem extraordinário!", exclamava sem cessar. Mas ele não tinha visitado o homem como médico, mas como alguém que vale a pena conhecer. Eu tinha um certo receito de que me obrigassem a também ir até ele, mas não foi o caso. À esquerda atrás de mim vi um homem sentado de costas num aposento que era todo de vidro. Ficou claro que era o secretário do professor e que meu pai na realidade só falara com ele, e não com o professor em pessoa, mas que mesmo assim tinha reconhecido os méritos do professor através do secretário, de modo que realmente podia julgar o professor como se tivesse falado pessoalmente com ele.

Diário, 6 de maio de 1912
"

Comprei o livrinho numa das mais autênticas livrarias do Rio de Janeiro, a Leonardo da Vinci, por preciosos R$ 33,00.
Agradeço de coração as palavras amigas dos colegas tradutores, da comunidade orkutiana Tradutores e Intérpretes.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Kopakabana

Como disse aí em baixo, em janeiro, fiz a oficina do José Castello, na Estação das Letras. Foi muito bom, pena que foi curto.
Ele passou dois exercícios. Leu a narrativa de um sonho de Kafka para nós e pediu que escrevessemos algo a partir disso. O outro "desafio" era escrever sobre Copacabana sem escrever sobre Copacabana. Ou seja, fizemos uma lista de 50 palavras proibidas, incluindo praia, areia, calçadão, turista, mulher, sol, pivete, camelô, enfim, todas esses clichês infalíveis sobre o Rio e, mais especificamente, sobre Copa. A idéia era fugir dos lugares comuns e tentar falar do bairro de maneira inusitada. Parece que consegui.
Eu juntei as duas coisas e escrevi Kopakabana (http://tinyurl.com/yuxfdd), o "professor" gostou e recomendou a publicação no Rascunho. Está lá, para quem quiser ver.
Faz tempo que o Rio de Janeiro não é mais o Rio de Janeiro. Estamos afundando numa cidade cinzenta, como um cenário de Kafka e estamos nos transformando em insetos, sim. Esse conto mostra como eu, leitor, leio a nossa cidade, cada vez menos tropical. Naturalmente, essa é a leitura que eu faço do meu conto. Mas, no momento em que outra pessoa ler, o conto passa a ser dela e ela (você?) será o autor da sua leitura.
Vou procurar o sonho de Kafka que está por trás da minha história para colocar aqui.
Kafka foi uma leitura importante para mim, acho que ninguém passa incólume por ele. Li umas tantas coisas, faz muito tempo e tudo meio que se mistura. Acho que essa mistura está presente nisso que eu escrevi. Chamam a isso de influência, nesse caso, bem explícita e intencional. Curioso pensar nas influências que não conseguimos identificar. Será que todos os escritores de que gostamos influenciam a gente? Acho que sim, a idéia é essa. Literatura é influência.