domingo, agosto 07, 2011

Doris Lessing, Virginia Woolf e a crítica literária

Escreve Doris Lessing na introdução à coletânea A casa de Carlyle, de Virginia Woolf:
Ela é uma escritora que alguns adoram odiar. É doloroso quando alguém cuja opinião você respeita profere um discurso de antipatia, ou mesmo de ódio, por Virginia Woolf. Sempre quero argumentar com essas pessoas: mas como você não consegue ver quão maravilhosa ela é... Para mim, suas duas grandes realizações são Orlando, que sempre me faz rir, um livrinho tão espirituoso, perfeito, uma preciosidade, e Passeio ao farol, que penso ser um dos melhores romances da língua inglesa. Mesmo assim, gente dotada do mais fino discernimento não consegue encontrar nada de bom a dizer. Quero protestar, afirmando que sem dúvida não se deveria dizer "os horríveis romances de Virginia Woolf", "o tolo Orlando", mas sim "eu não gosto de Virginia Woolf". Afinal, quando pessoas da mesma categoria, de discernimento equivalente, adoram ou odeiam o mesmo livro, o mínimo de modéstia, o mínimo de respeito pela notável profissão de crítico literário seria dizer: "Eu não gosto de Woolf, mas esta é apenas a minha inclinação."
Destaquei o final, pois essa sempre foi a minha opinião. Não gostar de um artista é uma questão pessoal. Não reconhecer a importância, o talento, a habilidade e o que mais um artista de quem não gostamos tem de positivo, é uma questão de discernimento. Existem uns tantos escritores que já li bastante, como Raduan Nassar, por exemplo, que julgava adorar, mas que, com o tempo, descobri que me fascinava, como o grotesco às vezes nos fascina, mas de quem não gosto. Mas quem pode, honestamente, dizer que Lavoura arcaica não é um livro fascinante? Ler gente assim, como Virginia Woolf, Raduan, ou Clarice Lispector, que escrevem coisas desagradáveis, que nos incomodam, e dizer que são ruins porque nos incomodam é confundir a obra com o efeito que ela nos causa.
E no caso de um crítico literário, ou resenhista, desmerecer uma obra por não ter gostado dela sem reconhecer que isso meramente é uma questão de gosto não é uma atitude de honestidade intelectual, mas sim de preconceito. Você pode dizer por que não gostou, até mesmo por que achou ruim. Mas também pode, e deve, dizer que não gostou, apesar de ser bom. E, principalmente, aceitar simplesmente que outras pessoas gostem de coisas que você acha um lixo por que encontram lá coisas que servem a elas e não a você, ou que até mesmo enxergam qualidades que você, ou eu, não tívemos olhos para ver.


O Fábio Sombra chegou da Flip e me trouxe uns livros de presente, um deles foi esse, A casa de Carlyle e outros esboços, de Virgínia Woolf, traduzido por Carlos Tadeu Galvão. Uma coletânea organizada por David Bradshaw e publicada aqui pela Nova Fronteira, com a citada introdução de Doris Lessing. Também me trouxe dois lançamentos do Rubem Fonseca, outro autor com quem passei a implicar mas que, mais do que reconhecer o valor, reconheço que me influenciou num nível tão pessoal que extrapola até mesmo a literatura. Só questiono se essa influência foi positiva ou negativa.

3 comentários:

Flávia Estill disse...

Só reconhecemos o que já sabemos.
Seria presunção dizer que a influencia é positiva ou negativa, pois na verdade, tudo já existe dentro de voce e os escritos que te "influenciam", só trazem a tona o que você tem guardado em certos reconditos da alma....Aquilo que te "influencia" é só um meio, uma ferramenta, como um saca rolha, ou uma gota de mercurio, que atrai a outra e se faz maior.

O Leitor disse...

Bom, eu já penso que achar que "tudo já existe dentro de nós" é uma presunção muito grande. Sei que por trás dessa tua afirmação existe uma concepção espiritualista com a qual até concordo, mas não é do que se trata aqui. Acredito muito na contribuição do que vem de fora e acho que as influências externas são essenciais para nossa formação, em todos os níveis. De fato, temos muitas coisas dentro de nós, mas essas "coisas" também podem ser ativadas de maneira semelhante aos genes, que reagem (ou não) a fatores externos e se manifestam de diferentes formas, não só físicas, mas emocionais e de personalidade também, conforme os estímulos que recebem. Falando especificamente de influência literária, posso passar a vida sem ler um determinado autor que, caso eu lesse, poderia transformar radicalmente minha visão de mundo. Mas, se morrer sem tê-lo conhecido, seguirei pensando da mesma maneira, simplesmente por ser ignorante do que esse escritor escreveu. E uma influência pode ser negativa ou positiva sim, dependendo dos resultados que ela tem sobre nós. No caso do Rubem Fonseca, reconheço que ele é um escritor excepcional, com o qual, durante uma época da minha vida, me identifiquei bastante e que por isso me influenciou. Mas não é mais o tipo de literatura que me agrada ou que eu busque, apesar de reconhecer que ele marcou minha maneira de escrever e até mesmo de conceber a literatura. Hoje, me identifico com outros escritores e estilos e por isso vou em busca de seus livros, deliberadamente buscando uma influência que, no momento, será mais positiva para mim. Em algum ponto desse blog, escrevi que literatura é influência, diria até que literatura é também buscar influências. E com certeza essa ideia tem um aspecto metafórico que extrapola muito o que consideramos "apenas" literatura.

Flávia Estill disse...

O que você e chama de influencia, chamo de nutrição. O alimento nos reforça e faz crescer dentro de nós tudo que tem essa capacidade de multiplicação celular. Mas existe uma semente, existe um começo. Sua vida te enriquece e te forma, e as "influencias" te enriquecem, pois fazem desabrochar as sementes já existentes dentro do teu ser, concebidas pelas experiencias e cargas genéticas. Você sabe que você é um espírito muito velho, que tem um desafio novo em cada experiencia de vida. É pessoal e intransferível, e a única ajuda que alguém pode te dar é te ajudar a decifrar os desafios, mas só quem poderá vence-los é você mesmo, com tua força e conexão com o Divino dentro de você.Desculpa, já extrapolei a conversa.Mas queria mesmo dizer que você traz uma bagagem, que vai sendo "explodida" com as influencias com as quais você se identifica mais, portanto é sinal que elas já estão dentro de você e desabrocham com o toque da identificação emocional, intelectual etc e tal!E falando no Rubem Fonseca, o conheci há muito tempo atraz, na casa da Ana Miranda, da qual fui amiga por uns tempos. Me surpreendeu a simplicidade e sabedoria daquele homem, falava de tudo com a tranquilidade de não ter que provar nada para ninguém. Eu tinha um pouco de preconceito, pois sempre achei os escritos dele um tanto agressivos para o meu gosto, e o fato de ter podido conversar um pouco com ele me encheu de admiração pois reconheci um mestre, alguém que sabe muito de tudo, e ao mesmo tempo saber que nada sabe. Humildade e simplicidade. Qualidade dos grandes seres.