A literatura de auto-ajuda é um dos principais filões editoriais atuais. A quantidade de títulos, das mais diversas áreas, é impressionante. Tal força não pode ser desdenhada. Como classificar de ruim uma variedade tão grande de títulos? Alguma coisa deve se salvar.
Já li dois livros da editora Sextante, especializada na área, cuja exceção é o Código Da Vinci. Na verdade, li um livro e meio, o segundo está em andamento.
O primeiro foi A última grande lição, de Mitch Albom, tradução de José J. Veiga (!)*. O segundo, cuja leitura avança com facilidade, é Velejando com a vida, de Richard Bode, tradução de Maria Luiza Newlands. Gostei dos dois. Não reconheço grandes méritos literários no primeiro, mas gostei assim mesmo. Foi uma leitura anotada, de lápis na mão. Agradável, mas sem grandes lições além da velha e boa sabedoria baseada no bom senso e no amor. O livro tem valor e a história de Mitch Albom com o seu professor moribundo vale à pena ser contada. Só isso já é suficiente e justifica a publicação. Apesar de todas as anotações, pouca coisa ficou registrada em minha mente, precisaria retornar ao livro para recuperar as lembranças e anotações. O que me deixa em dúvida quanto a diferença que uma leitura assim pode fazer na vida das pessoas.
O segundo, pelo menos para mim, tem mais a acrescentar, principalmente porque gosto de barcos e de velejar e o livro trata disso. A cada capítulo, Bode fala de uma situação que enfrentou quando velejava em um pequeno barco em sua juventude, nevoeiro, mudanças de vento, calmaria, peças que se quebram, etc, e trás a situação para um momento de sua vida adulta, refletindo o que o barco, o vento e o mar ensinaram para ele. É bonito, é agradável, mas não é profundo, apenas, como o outro, sensato. Não acho que isso tire o valor de nenhum deles. Com certeza, pensarei nesse livro quando estiver velejando novamente, há uma identificação pessoal, no caso. No entanto, essa identificação não será comum a todos os leitores e não sei que efeito possa ter em outras pessoas. As lições estão lá. Assim como estão em Fernão Capelo Gaivota, ou em O pequeno príncipe.
Quando eu digo que não são profundos, penso em Dostoiévsky, por exemplo, o grande narrador das almas torturadas. O homem não é sensato, a humanidade não é sensata. A literatura não pode tratar dos grandes temas sob o ponto de vista do que é sensato e fazendo julgamentos dos que não se enquadram. Talvez aí esteja o "demérito" da literatura de auto-ajuda. Mas, em nenhum desses dois casos, pelo menos, percebi a pretensão de fazer alta literatura. São pessoas que passaram por experiências marcantes e que se dispuseram a compartilhá-las com outras pessoas. São relatos pessoais, alguma coisa fica, nem que seja o prazer de ler uma prosa fluida, que mal não faz e traz conforto.
*O asterisco fica por conta de a editora, em seu site, na apresentação do livro, simplesmente omitir o nome do tradutor. O que já é grave por si só e ainda pior por se tratar de um escritor do calibre de José J. Veiga. Mais respeito pelo profissional, pessoal, por favor!
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