terça-feira, novembro 29, 2005

Uma nota sobre livros de auto-ajuda

A literatura de auto-ajuda é um dos principais filões editoriais atuais. A quantidade de títulos, das mais diversas áreas, é impressionante. Tal força não pode ser desdenhada. Como classificar de ruim uma variedade tão grande de títulos? Alguma coisa deve se salvar.

li dois livros da editora Sextante, especializada na área, cuja exceção é o Código Da Vinci. Na verdade, li um livro e meio, o segundo está em andamento.

O primeiro foi A última grande lição, de Mitch Albom, tradução de José J. Veiga (!)*. O segundo, cuja leitura avança com facilidade, é Velejando com a vida, de Richard Bode, tradução de Maria Luiza Newlands. Gostei dos dois. Não reconheço grandes méritos literários no primeiro, mas gostei assim mesmo. Foi uma leitura anotada, de lápis na mão. Agradável, mas sem grandes lições além da velha e boa sabedoria baseada no bom senso e no amor. O livro tem valor e a história de Mitch Albom com o seu professor moribundo vale à pena ser contada. isso é suficiente e justifica a publicação. Apesar de todas as anotações, pouca coisa ficou registrada em minha mente, precisaria retornar ao livro para recuperar as lembranças e anotações. O que me deixa em dúvida quanto a diferença que uma leitura assim pode fazer na vida das pessoas.

O segundo, pelo menos para mim, tem mais a acrescentar, principalmente porque gosto de barcos e de velejar e o livro trata disso. A cada capítulo, Bode fala de uma situação que enfrentou quando velejava em um pequeno barco em sua juventude, nevoeiro, mudanças de vento, calmaria, peças que se quebram, etc, e trás a situação para um momento de sua vida adulta, refletindo o que o barco, o vento e o mar ensinaram para ele. É bonito, é agradável, mas não é profundo, apenas, como o outro, sensato. Não acho que isso tire o valor de nenhum deles. Com certeza, pensarei nesse livro quando estiver velejando novamente, há uma identificação pessoal, no caso. No entanto, essa identificação não será comum a todos os leitores e não sei que efeito possa ter em outras pessoas. As lições estão . Assim como estão em Fernão Capelo Gaivota, ou em O pequeno príncipe.

Quando eu digo que não são profundos, penso em Dostoiévsky, por exemplo, o grande narrador das almas torturadas. O homem não é sensato, a humanidade não é sensata. A literatura não pode tratar dos grandes temas sob o ponto de vista do que é sensato e fazendo julgamentos dos que não se enquadram. Talvez esteja o "demérito" da literatura de auto-ajuda. Mas, em nenhum desses dois casos, pelo menos, percebi a pretensão de fazer alta literatura. São pessoas que passaram por experiências marcantes e que se dispuseram a compartilhá-las com outras pessoas. São relatos pessoais, alguma coisa fica, nem que seja o prazer de ler uma prosa fluida, que mal não faz e traz conforto.

 

*O asterisco fica por conta de a editora, em seu site, na apresentação do livro, simplesmente omitir o nome do tradutor. O que é grave por si e ainda pior por se tratar de um escritor do calibre de José J. Veiga. Mais respeito pelo profissional, pessoal, por favor! 

segunda-feira, novembro 28, 2005

Admiração leitora

Da Pequena Leitora, 9 anos, ao ver o título Gênio, os 100 autores mais criativos da história da literatura:

- Tem a Ruth Rocha?

Merecia ser incluída, por causa disso.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Gênio, Harold Bloom (i)

Gênio, Bloom, Harold. Tradução de José Roberto O'Shea, Ed. Objetiva.

Na esquina da Rua Buarque de Macedo com Rua do Catete existe um sebo de aspecto muito importante. Loja bonita, ampla e atraente. Fica no meu caminho de casa, quando estou voltando com a Pequena Leitora do ballet, ou do judô, com o Pequeno Leitor. Sempre olho a vitrine. Hoje, estava esse belo tijolo, que eu observava a tempos em outras prateleiras. Tinha esperança de ganhá-lo de presente de meu amigo que trabalhava na editora Objetiva, mas, ele saiu de e essa fonte secou. Foi bom enquanto durou :-) Tomara que ele tenha o sucesso que merece em seu novo projeto.

Bem, vi o livro de Bloom na vitrine e resolvi perguntar o preço: R$ 20,00! Eles tinham diversos volumes, lacrados dentro de plásticos. Novos e virgens. O preço normal desse livro seria de uns R$ 80,00. Comprei na hora e não perguntei como eles conseguiam tal preço. São 828 preciosas páginas em um projeto gráfico de qualidade. Um volume sólido, para me acompanhar por alguns anos de leituras ocasionais.

Como não podia deixar de ser, conheci Bloom por sua obra para "crianças", Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as idades. Adoro antologias e as de Bloom são modelares. Antologias são declarações de amor à literatura e, para o leitor, portões para diversos senderos que se bifurcan.

Não sei como será essa leitura. Não há de ser fácil, não há de ser breve. Ele fala de Shakespeare, Cervantes, Montaigne, Milton, Sócrates, Platão, Thomas Mann, Freud, Nietzche, Kafka, Proust... São 100 gênios e ele se propõe a identificar a raiz da genialidade. gostei do prefácio. Um pequeno trecho:

"Ninguém havia de implicar com a idéia de se estudar o contexto de uma obra. Mas reduzir literatura, espiritualidade ou idéias de um historicismo tendencioso é algo que não me interessa. As mesmas pressões sociais, econômicas e culturais produzem, simultaneamente, obras imortais e obras datadas. Thomas Middleton, Philip Massinger e George Chapman vivenciava a mesma energia cultural que, supostamente, modou Hamlet e Rei Lear. Mas as 25 melhores peças de Shakespeare (de um total de 39) não são obras datadas. Se não conseguimos outro meio de explicar Shakespeare (ou Dante, Cervantes, Goethe, Walt Whitman), por que não retomar o estudo da antiga idéia de gênio? Habilidade não é algo inato; genialidade o será, necessariamente."

Antes de mergulhar no mundo de Bloom, a impressão que tenho dele é a de alguém que milita pela preservação de uma forma de arte que vai se perdendo: a boa e velha e formal literatura. Esse livro será um desafio para mim. Assim como Ulisses, em sua nova tradução, também da Objetiva, que repousa em minha mesa de cabeceira e é visitado de vez em quando. Não são livros para serem lidos em nossos tempos. A literatura requer um ritmo do qual estamos cada vez mais distantes, em que a profundidade se perde e a informação interrompe a formação. Enfim...

terça-feira, novembro 08, 2005

Crônicas de Nárnia (ii) - Evasão/Invasão

Não foi por acaso que falei em evasão ao escrever sobre Nárnia.

As passagens entre mundos são uma constante em todos os livros que formam a série. Portões, passagens, acessos estão presentes em todos. A começar pelo O leão, a feiticeira e o guarda-roupa. Desde o ponto de partida.

O início da história são os quatro irmãos tendo que sair de Londres, fugindo da guerra, para se proteger em uma casa de campo. Ao se esconderem de novo, ocultando-se dos visitantes, eles entram no guarda-roupa e descobrem a passagem para Nárnia. Ou seja, saem da Inglaterra bombardeada para um mundo dominado pela Feiticeira Branca. Mas, a chegada deles desencadeia os acontecimentos que resultam na libertação de Nárnia e os trasnforma em reis e rainhas.

Quem não sonha em poder sair da realidade por uma passagem tão inesperada quanto um guarda-roupa sem fundo e sair em um reino que se liberta com sua chegada?

Isso me fez lembrar de um outro livro em que a passagem entre mundos é importante, Os meninos aquáticos, de Charles Kingsley, que também li pela primeira vez mais ou menos aos doze anos, uma leitura próxima de Nárnia.

Na época, tive um sonho. Sonhei que, sob o tapetinho que ficava ao lado da cama de meus pais, havia uma passagem para o mundo aquático do livro, em que meninos desenvolviam guelras e se trasnformavam em seres marinhos. O sonho foi tão real, que, durante o dia, bem acordado, sem ninguém mais em casa, cheguei a ir até o quarto dos meus pais e buscar esperançosamente uma passagem que existia em meus sonhos. Lembro que eu sabia que nada iria encontrar, mas ainda assim, quem sabe?

quarta-feira, novembro 02, 2005

Nárnia, C.S. Lewis (i)

As Crônicas de Nárnia, C.S. Lewis, Martins Fontes, Trad. Paulo Mendes Campos e Silêda Steuernagel (A última batalha)

 

Literatura de evasão ou literatura de invasão? Será toda a literatura infantil, ou infanto-juvenil, evasiva ou invasiva do mundo das crianças? Que grande necessidade de fantasia é essa que as crianças têm? E os adultos, como ficam nessa história? Enfim, qual é o encantamento? Quando é que a fantasia nos invade?

Nárnia é puro encantamento. Até mesmo para adultos que não tenham se deixado esmagar por coisas como contas a pagar, participação de mercado, ou ainda, e pior ainda, que não tenham deixado a criação dos filhos se transformar em um peso esmagador!

Nárnia me acompanha há muitos séculos, desde o início da história, não muito depois do final da pré-história. (História é quando lembramos o que aconteceu, Pré-história é quando lembramos de sentimentos, uma época em que tristeza e felicidade são uma coisa misturada).

Era o tempo dos livros de bolso das Edições de Ouro, agora Ediouro, quando a editora enviava seu jornalzinho para as escolas e nós escolhíamos os livros. Com data marcada, as encomendas chegavam em pacotes devidamente identificados. Era uma festa! Comentávamos os livrinhos, trocávamos informações e impressões. Começava-se a formar cabeças leitoras e críticas. Bem, esse assunto merece um texto à parte.

O leão, a feiticeira e o guarda-roupa veio em uma dessas encomendas, se não me engano (afinal, era o começo da História...), mas não em meu nome, não foi descoberta minha. A descoberta foi da Irmã Leitora Mais Velha, o que deu ao livro uma aura de leitura quase adulta pois ela devia ter uns quinze anos e eu, uns dez. Tratava-se de um livro difícil, denso...

Na época, eu não sabia que existiam outros livros da série, mas, esse primeiro, ficou marcado, principalmente por seu princípio: um grupo de crianças que se esconde em um guarda-roupa e encontra uma passagem para o mundo da fantasia mais plena se possa imaginar, o reino de Nárnia.