Meio de saco cheio da literatura, resolvi postar essa mensagem meio sem nada a ver com o blog, mas que tem a ver com as coisas que me definem, a literatura entre elas, mas em menor escala no momento.
Hoje passei a tarde com meu pai. Minha mãe teve que sair e estamos sem acompanhante.
Cheguei lá, ele tinha acabado de deitar. No meio da tarde, fui até o quarto olhar se estava tudo calmo. Ele dormia coberto por uma colcha de tricô feita pela mãe dele, minha avó. Dormia, simplesmente. Pensei que ele poderia estar apenas gripado, com febre, como tantas vezes esteve.
Quando adoecia, antes do Alzheimer, meu pai gostava de ficar quieto na cama dele, sem ninguém em cima para chateá-lo. Uma febre, ficava rouco. Ia tomando remédio, descansando, se alimentando e aí, ficava bom.
Uma das coisas que sempre volta à minha cabeça agora, quando o vejo com ar abatido, sem falar muito, é que parece que ele está apenas gripado. Fica aquela esperança iludida e tola, essas coisas que passam pela cabeça da gente. E se ele estivesse apenas gripado? Semana que vem estaria bem. Como é difícil a idéia de uma situação irreversível entrar de fato na cabeça da gente, né?
É como passar diante do prédio onde moraram os meus avôs, por anos e anos. Que coisa estranha eles não estarem mais lá. Mas a lembrança é tão viva que é como se ainda estivessem.
Engraçado que a doença do meu pai fez eu me lembrar de muitas coisas legais dele que havia enterrado debaixo das mágoas e frustrações. Hoje eu sinto uma saudade dele que nunca imaginei que sentiria. Por isso que às vezes penso que aquilo é apenas uma gripe, pois o sinto saudável e carinhoso lá do jeito dele de uma maneira muito viva dentro de mim. E isso é bom.
Em tempo, se alguém conhecer um acompanhante de confiança aqui no Rio, por favor, escreva para mim: daniel.estill @ gmail . com (é só tirar os espaços)
terça-feira, junho 08, 2010
sexta-feira, abril 30, 2010
Embrulho para presente
Em uma de suas visitas ao Rio de Janeiro, meu avô me levou à Biblioteca Nacional. Eu devia ter uns oito anos. Começara a ler há pouco tempo e os livros recém começavam a lançar seu feitiço sobre mim. Feitiço, maldição, benção. Já foram isso tudo. Hoje permanecem um desafio, uma provocação, como nunca deixaram de ser.
Daquela visita, lembro-me de um balcão negro, na altura do meu nariz. Meu avô conversava com o homem atrás do balcão, pareciam se conhecer, mas era improvável. Meu avô não morava no Rio, vinha de longe, vinha da cidade onde eu nasci e da qual fui separado aos quatro anos de idade. Estar com ele era um pouco da minha primeira infância que voltava para essa outra infância de oito anos, tão diferente, da qual guardo poucas lembranças de felicidade. Não, não se conheciam. No entanto, tornaram-se cúmplices.
O homem do balcão me deu um presente. Preparou o embrulho ali mesmo, na minha frente. Com um papel azul, brilhante, embrulhou algo numa minúscula caixinha, do tamanho de um dedal. A caixinha não tinha peso e ele disse que eu só poderia abri-la depois de sair. Meu avô ria, quase que para si, mas dizia-me, sério, que era um presente valioso. Uma minúscula caixinha e papel brilhante azul, leve como um pedaço de vento.
Naquele dia, conheci a Biblioteca Nacional. Seus mármores, arquivos, escadas. A impressionante sala de leitura com suas colunas altíssimas e mesas de estudo enfileiradas. Não me oprimia, me sentia bem lá. Aliás, eu me sentia bem em qualquer lugar em que estivesse com meu avô.
Finalmente, saímos. Descemos a escadaria na avenida Rio Branco, caminhamos até o ponto de ônibus. Eu, naturalmente, estava ansioso. Tinha oito anos e meu avô acabara de me mostrar uma parte do mundo que se tornaria parte de mim para sempre. Então, desfiz o embrulho, um origami, uma dobradura fechada em torno do nada. O presente era vazio. Entendi que era uma brincadeira, achei graça, apesar do desapontamento. Afinal, o que poderia caber numa caixinha daquele tamanho que pudesse ter qualquer valor? Meu avô talvez soubesse. O homem do balcão também. Deram-me um presente vazio.
Ao longo dos anos, fui preenchendo aquele pequeno embrulho. Acho que todos os livros que eu li estão lá. Estão guardados, numa caixinha vazia, cheia de histórias e de lembranças de meu avô e de um passeio pelo centro do Rio quando eu tinha oito anos, uma infância que pode não ter sido das mais felizes, mas foi repleta de significados que ainda se revelam novos, tanto tempo depois.
Daquela visita, lembro-me de um balcão negro, na altura do meu nariz. Meu avô conversava com o homem atrás do balcão, pareciam se conhecer, mas era improvável. Meu avô não morava no Rio, vinha de longe, vinha da cidade onde eu nasci e da qual fui separado aos quatro anos de idade. Estar com ele era um pouco da minha primeira infância que voltava para essa outra infância de oito anos, tão diferente, da qual guardo poucas lembranças de felicidade. Não, não se conheciam. No entanto, tornaram-se cúmplices.
O homem do balcão me deu um presente. Preparou o embrulho ali mesmo, na minha frente. Com um papel azul, brilhante, embrulhou algo numa minúscula caixinha, do tamanho de um dedal. A caixinha não tinha peso e ele disse que eu só poderia abri-la depois de sair. Meu avô ria, quase que para si, mas dizia-me, sério, que era um presente valioso. Uma minúscula caixinha e papel brilhante azul, leve como um pedaço de vento.
Naquele dia, conheci a Biblioteca Nacional. Seus mármores, arquivos, escadas. A impressionante sala de leitura com suas colunas altíssimas e mesas de estudo enfileiradas. Não me oprimia, me sentia bem lá. Aliás, eu me sentia bem em qualquer lugar em que estivesse com meu avô.
Finalmente, saímos. Descemos a escadaria na avenida Rio Branco, caminhamos até o ponto de ônibus. Eu, naturalmente, estava ansioso. Tinha oito anos e meu avô acabara de me mostrar uma parte do mundo que se tornaria parte de mim para sempre. Então, desfiz o embrulho, um origami, uma dobradura fechada em torno do nada. O presente era vazio. Entendi que era uma brincadeira, achei graça, apesar do desapontamento. Afinal, o que poderia caber numa caixinha daquele tamanho que pudesse ter qualquer valor? Meu avô talvez soubesse. O homem do balcão também. Deram-me um presente vazio.
Ao longo dos anos, fui preenchendo aquele pequeno embrulho. Acho que todos os livros que eu li estão lá. Estão guardados, numa caixinha vazia, cheia de histórias e de lembranças de meu avô e de um passeio pelo centro do Rio quando eu tinha oito anos, uma infância que pode não ter sido das mais felizes, mas foi repleta de significados que ainda se revelam novos, tanto tempo depois.
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