Kate DiCamillo, com ilustrações de ilustrações de Timothy Basil Ering, tradução de Luzia Aparecida dos Santos, revisada por Monica Stahel. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2005.
Título original: The Tale of Despereaux. ISBN: 85-336-2162-0
Esse é um livro que merece um lugarzinho especial na estante. Os Pequenos Leitores estão alfabetizados e começam a ter mais fôlego. O Pequeno Leitor tem demonstrando uma grande facilidade nesse terreno. Com dois meses de alfabetização, mostra-se ávido por letras, nada escapa ao seu ímpeto leitor. A história de Despereaux chegou à família como um presente para a Pequena Leitora. O livro está sendo lido aos pouquinhos, em leituras orais noturnas. No entanto, ontem ele demonstrou sua força.
Depois que a Pequena Leitora adormeceu, o que acontece bem rapidamente, em geral, basta uma página, o Pequeno Leitor quis continuar. Li mais três capítulos e disse que estava com sono. Mas ele quis continuar. Disse então que ele lesse por sua conta, pois eu ia dormir. E ele quis continuar. Não se fez de rogado e atracou-se com o livro. Alternou leitura em voz alta, murmurada e para si. Não queria largar a história do camundongo Despereaux. A leitura trôpega, sílaba a sílaba, palavras difíceis, quebras de palavras em quebras de linha. Nada o impediu. Quis ir para a minha cama, quis ir para a mesa onde A Leitora estudava, voltou para a minha cama. Os olhos ficaram vermelhos e lacrimejantes pelo esforço. Mas não se deteve. Foi preciso um ultimato, pois o dia seguinte começava cedo e era preciso dormir.
Acontece que o livrinho é sensacional. Fazia tempo que não encontrava um texto literário com tamanha pureza e profundidade. Uma profundidade singela, se é que isso é possível, e delicada. A autora está contando uma história e faz questão de deixar isso claro. Fala ao leitor o tempo todo. Um leitor que precisa ser instruído, mas que é capaz de aprender:
"(...)Você sabe o que significa empático?A jovem princesa chama-se Ervilha. A jovem e gorducha criada chama-se Migalha Sementeira. Existe um camundongo heróico, Despereaux, e um rato maldoso, Chiaroscuro, ou Roscuro. Além da delicadeza do estilo, até mesmo ao narrar mortes, acidentes e assassinatos, o que me agradou bastante foi o desenho dos personagens. Digo desenhos de propósito, pois ela revela as ambivalências dos sentimentos, os "mapas dos corações" com muita clareza. As ações do vilão, dessa forma, podem ser perdoadas, ou antes, compreendidas, pois a autora mostra que sua motivação é inocente, ainda que suas ações sejam condenáveis.
Pois vou lhe dizer. Ao ser levada para o calabouço, com uma faca enorme apontada para as costas, tentando manter a coragem, ainda assim a princesafoi capaz de pensar na pessoa que está segurando a faca.
Ela pensava: "Pobre mig, ela quer tanto ser princesa e acha que assim vai conseguir. Pobre Mig. Como será desejar alguma coisa tão desesperadamente?"
Isso, leitor, é empatia.
E agora você tem um pequeno mapa do coração da princesa (ódio, dor, gentileza, empatia), o coração que ela carregava ao descer a escada dourada, ao atravessar a cozinha e, finalmente, quando o céu lá fora começava a clarear, ao chegar à escuridão do calabouço com o rato e a criada"
Lembro dos estudos de teoria literária, em que havia uma classificação entre personagens planos e redondos. Os planos são aqueles personagens contínuos, que começam e terminam uma história com o mesmo caráter, que não trazem surpresas. Os redondos são personagens de várias faces, que se mostram conforme a luz incide sobre eles. Capazes de se transformar. O mergulho na luz e na escuridão dos personagens de Despereaux mostram o seu percurso interno de aprendizagem, de todos eles. O ambiente principal da história, um castelo dividido entre as luzes dos salões, a penumbra da cozinha e a escuridão do calabouço, é o cenário perfeito e didático para a representação dos movimentos dos personagens. A simetria entre Despereaux e Roscuro é interessante, pois, tanto a descida ao calabouço do camundongo, quanto a ascensão aos salões iluminados do rato acabam por aproximá-los e os antagonismos são desfeitos. Esse não é um final óbvio em um livro infanto-juvenil. Mas, não se trata de um livro óbvio. A felicidade do final não é do tipo "para sempre", mas sim uma situação de retorno a um equilíbrio não garantido.
Um último comentário. Despereaux salva-se da morte no calabouço por ter uma história para contar. E, como lhe diz o carcereiro, "Histórias são luz. A luz é preciosa num mundo tão escuro. Comece do começo, conte uma história para Gregório. Faça alguma luz."
Por que será que gostamos tanto de histórias?
Um comentário:
q coincidencia + estranha: ontem mesmo encontrei p/ acaso na internet um outro livro (http://www.edwardtulane.com/) dessa autora, e me apaixonei. q bom saber q ela ja tem outras coisas publicadas por aqui. nao tinha me lembrado de pesquisar.
fiquei mto emocionada com o teu relato. o Pequeno Leitor já está se alfabetizando, é? pois já é um homenzinho, ora vejam... espero ter relatos similares pra contar do(s) meu(s) Futuro(s) Pequeno(s) Leitor(es) tb... :-)
morri de inveja de vc ter dividido a leitura de equador com A Leitora. ja tentei esse esquema de leitura comum a Outra Leitora Daqui de Casa, mas ainda nao conseguimos fazer c/ q desse certo.
como vão as coisas p/ aí?
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