terça-feira, dezembro 06, 2005

Jogo da amarelinha 2 - Inveja crítica

A edição de Rayuela que tenho é das Ediciones Cátedra, com introdução e comentários de Andrés Amorós. Uma edição acadêmica, explicativa. Em um determinado ponto da introdução, ele escreve:

 

"(...) Creo que entiendo Rayuela: lo que ha hecho su autor, lo que ha querido hacer, la corriente de humor y de inteligencia que corre por debajo de estas páginas. Cuando he conocido a Julio Cortázar (!) – hemos charlado, nos hemos escrito – lo he confirmado."

 

Linhas antes, Andrés Amorós declara sua empatia pelo livro, como existem livros com o qual ele se identifica e comoaqueles no qual não consegue penetrar, "por mucho que aplique sobre ellos las técnicas de análisis literario que me han enseñado...".

Fiquei pensando. Que grande privilégio é ter conhecido Cortázar e conversado com ele sobre seus livros. Que maravilha para um crítico literário poder trocar impressões com o autor de suas obras preferidas.

Por outro lado, também me lembrei das lições aprendidas nas aulas de estudos de textos da faculdade de letras, de minha boa professora Célia Pedrosa e do completo Silviano Santiago. Muitas vezes, alguém falava, "mas o que o autor quis dizer aqui foi..." Do ponto de vista do leitor ativo - e o crítico literário não é mais do que isso, um leitor que constrói leituras - não importa tanto o que o autor quis dizer, mas sim, o que você, leitor, encontrou. Isso é básico. Não desmerece a troca de informações com o autor. Imagine, poder falar ao Cortázar o que você sentiu e viveu ao ler Rayuela?! Ouvir o que ele acha disso?! Mas, o nível de leitura mais importante é aquele incompartilhável. Uma leitura profunda, com efeitos sobre a pessoa do leitor, algo que poucos livros alcançam e quando o fazem, se tornam clássicos. Até porque, um dos temas que percebo centrais em Rayuela é a impossibilidade da comunicação, do pleno compartilhamento dos sentimentos e emoções, mesmo com as pessoas mais próximas de você. No caso de Horário Oliveira, essa impossibilidade chega a extremos. No caso dele, o processo de alienação da realidade pelo qual ele passa é causado por uma excessiva atividade intelectual, ou seja, excesso de "inteligência" e por uma incapacidade emocional de viver seus vínculos afetivos, ou seja, medo de amar, pura e simplesmente. Essa é a impressão de leitura que guardo comigo, de um livro que li há uns 20 anos atrás e que agora volta a me chamar. Será que se eu perguntasse a Cortázar se "era isso que ele queria dizer", ele me confirmará? É será que isso faz alguma diferença? Com certeza não. Em certa medida, o autor de um livro é ele mesmo apenas mais um leitor. Um leitor com um pouco mais de propriedade sobre o texto, mas um leitor.

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