sexta-feira, setembro 30, 2005

Marlow e o trabalho (O coração das trevas)

"(...) Não gosto de trabalhar. Preferia vagabundear e pensar em todas as coisas boas que podem ser feitas. Não gosto de trabalhar - nenhum homem gosta -, mas gosto do que existe no trabalho - a oportunidade de encontrar-se a si próprio. Sua própria realidade - para você mesmo, não para outros -, aquilo que nenhuma outra pessoa jamais poderia saber. Eles podem apenas ver o resultado final, mas nunca dizer o que realmente significa." (pág. 55)

Marlow está enfiado num posto de comércio nos confins da África. Era para ter encontrado um vapor para o seu comando. Mas o barco partira sem ele e afundara rio acima. O trabalho que o aguarda, em meio a negros derrotados e brancos alienados, é recuperar o barco do fundo do rio e colocá-lo a seu serviço. Tudo está contra ele, nenhum apoio. Faltam peças e ferramentas e tudo demora semanas, meses, para chegar. Coisas básicas, como os rebites com os quais fixar as placas no casco avariado. O trabalho é o que lhe resta, seja por que meio for.

Resenha interessante sobre "O coração..."

Em:
http://www.burburinho.com/20020228.html

quarta-feira, setembro 28, 2005

Outras compras de sábado

Além de O coração das trevas, compramos também dois livros para as crianças e um para nossa leitura oral.
Para a pequena leitora, Vovó dragão, e, para o pequeno leitor, A ilha dos dragões, a coincidência dos nomes foi casual.
Para a leitura oral noturna, um livro que estamos adorando, O lingüista e o imperador, sobre Jean-François Champollion e Napoleão Bonaparte. Para quem não sabe, o primeiro foi o lingüista que decifrou os hieróglifos.
Logo mais, eu falo sobre eles.

terça-feira, setembro 27, 2005

O coração das trevas, Joseph Conrad

Sábado à noite, resolvi dar uma passada na livraria Argumento, do Rio Design da Barra. A pouca grana me levou ao estande dos livros de bolso da L&PM e acabei comprando O coração das trevas, de Joseph Conrad, tradução de Albino Poli Jr, R$ 12,00 ;-)
Comprei porque era do Joseph Conrad, de quem eu já tinha lido uns contos que não me lembro e o Lord Jim, que gostei. Adoro histórias de aventura e era isso que esperava dele, mas Conrad é muito mais. Não por acaso, os editores colocaram a seguinte citação de Jorge Luís Borges na capa, "É o mais intenso de todos os relatos que a imaginação humana jamais concebeu" e, além disso, foi a base para o filme Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola, o que eu não sabia. Não vi o filme, sempre imaginei que fosse mais um violento filme de guerra, mas agora fiquei curioso.
Estou no começo do livro, Marlow, o narrador gosta de "áreas em branco" dos mapas e se sente atraído pelo coração da África ocidental, alimentada pelo Rio Congo, aonde ele pretende trabalhar como capitão de um vapor mercante. O comércio é de marfim, trocado com os nativos por bugingangas diversas.
Na página 40, de 148, já dá para ver que o livro é bárbaro. Pesquisando na Internet, descobri um site sobre o livro, http://www.cwrl.utexas.edu/~waddington/314/group2.html, que considera o livro racista, pelas descrições que Conrad faz dos negros, totalmente animalizados. Ainda é uma impressão inicial, mas não acho que seja racismo. Não sei se é aplicável dizer que Conrad é naturalista, enquanto classificação periódica literária, mas a animalização das descrições que ele faz ressaltam muito mais a crueldade e ignorância branca do que uma possível bestialização dos negros. É brutal.
Aparentemente, à medida que ele se aproxima do coração do continente, a natureza vai corroendo o espírito civilizado. A europa imaculada é desnudada e exposta em sua bestialidade disfarçada. Marlow, ainda incólume, fica espantando em ver como os europeus tratam os negros como inimigos. Como considerar inimigos àquelas criaturas totalmente derrotadas, espoliadas e desprotegidas? Como considerar seres tão fracos como inimigos?
No começo da história, quando ele busca a ajuda de uma tia para que lhe consiga o lugar de capitão no tal vapor, a senhora lhe diz para "arrancar aqueles milhares de ignorantes de seus horríveis costumes". O comentário do Marlow narrador é explícito: "Tentei, então, insinuar que a Companhia tinha o lucro como objetivo".

Leio porque são letras, fossem imagens, via, não lia

Depois que se aprende a ler, torna-se impossível olhar uma palavra sem lê-la. A única possibilidade disso acontecer é a escrita estar em caracteres totalmente indecifráveis.
Alberto Manguel, em seu A história da leitura, conta que, quando aprendeu a ler, foi como se tivesse adquirido mais um sentido. Visão, audição, olfato, tato, paladar e leitura. Faz todo o sentido (valendo o trocadilho), uma vez que a leitura nos oferece mais um meio de absorver o mundo externo. Também uma função vital, porque ininterrupta.