Perguntaram a um surdo se era preciso ouvir as palavras para ler. Ele não ouviu a pergunta e pediu que a escrevessem num papel. Sob a pergunta, ele escreveu:
- De forma alguma, ler é outro sentido. Além disso, os que ouvem dizem preferir ler em silêncio.
sexta-feira, dezembro 30, 2011
quarta-feira, dezembro 28, 2011
Finais
"Tenho 72 anos. Olho para os meus filhos e para meus netos e penso em que diabos de histórias se meterão e o que é que um dia eles poderão contar. Porque um homem é feito de histórias, não é de DNA e músculos e ossos. História."
Os livros que devoraram meu pai, Afonso Cruz, ed. LeYa.
Repare na "História", com H maiúsculo. Afonso Cruz não está chamando de ficção.
"Quando entro no apartamento, ouço o choro de um bebê."
Ainda existem aveleiras, Georges Simenon, tradução de Celina Portocarrero, ed. L&PM
Faltaria aqui, talvez, o final de Brás Cubas, uma das frases preferidas da nossa literatura:
"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."
Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis, Nova Aguilar.
Os dois primeiros finais foram de livros que ganhei de Natal e me fizeram lembrar do otimismo ingênuo de Brás Cubas de achar que o legado dele seria o mesmo legado de todos e que sua não descendência hereditária poderia fazer alguma diferença sobre a marcha geral da insensatez humana.
Quanto ao livro de Simenon, foi uma releitura. Parte pelo livro em si, parte para conhecer uma tradução da Celina Portocarrero, recentemente minha professora numa oficina de tradução da Estação das Letras. Gostei da tradução e já gostava do livro, só que pensei que fosse outro. Agora estou com um problema. Achei que o Ainda existem aveleiras fosse outra história, a história de um rapaz judeu que tem questionamentos sobre a própria fé, que recebe a orientação de um rabino (que lhe explica que acreditar ou não é uma escolha semelhante à escolha de um time de futebol pelo qual você queira torcer), que se casa com uma não judia, que se converte ao judaísmo para se casar com ele. Isso é o que eu me lembro do livro, e, pensando bem, não tem nada a ver com Simenon. Coisa que li há mais de 20 anos. Talvez algum livro do Isaac Bashevis Singer, mas também não creio que seja não. E também não faço ideia de porque misturei um livro com o outro. Sei também que esse livro misterioso influenciou a minha escolha por ter fé, ou pelo menos de tentar ter, e por isso quis recuperá-lo e o inclui na minha lista de presentes de amigo oculto. So que, com o título errado, o livro errado. Tenho fé de que o encontrarei, mas, se não for uma questão de fé, que seja de esperança. Esperança de reencontrar um livro cujo título e autor eu esqueci, mas cujo conteúdo nunca me deixou. A memória da gente é uma coisa engraçada. O outro não deixa o legado de sua (nossa, diz ele, presunçoso) miséria para um filho, mas deixa suas memórias escritas para serem lidas e relidas por milhões (?) de pessoas pelos séculos dos séculos amém. (Será que é algum outro livro do Simenon? Mas porque Simenon escreveria sobre os questionamentos religiosos de um rapaz judeu? Não faz muito sentido para mim.)
Os livros que devoraram meu pai, Afonso Cruz, ed. LeYa.
Repare na "História", com H maiúsculo. Afonso Cruz não está chamando de ficção.
"Quando entro no apartamento, ouço o choro de um bebê."
Ainda existem aveleiras, Georges Simenon, tradução de Celina Portocarrero, ed. L&PM
Faltaria aqui, talvez, o final de Brás Cubas, uma das frases preferidas da nossa literatura:
"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."
Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis, Nova Aguilar.
Os dois primeiros finais foram de livros que ganhei de Natal e me fizeram lembrar do otimismo ingênuo de Brás Cubas de achar que o legado dele seria o mesmo legado de todos e que sua não descendência hereditária poderia fazer alguma diferença sobre a marcha geral da insensatez humana.
Quanto ao livro de Simenon, foi uma releitura. Parte pelo livro em si, parte para conhecer uma tradução da Celina Portocarrero, recentemente minha professora numa oficina de tradução da Estação das Letras. Gostei da tradução e já gostava do livro, só que pensei que fosse outro. Agora estou com um problema. Achei que o Ainda existem aveleiras fosse outra história, a história de um rapaz judeu que tem questionamentos sobre a própria fé, que recebe a orientação de um rabino (que lhe explica que acreditar ou não é uma escolha semelhante à escolha de um time de futebol pelo qual você queira torcer), que se casa com uma não judia, que se converte ao judaísmo para se casar com ele. Isso é o que eu me lembro do livro, e, pensando bem, não tem nada a ver com Simenon. Coisa que li há mais de 20 anos. Talvez algum livro do Isaac Bashevis Singer, mas também não creio que seja não. E também não faço ideia de porque misturei um livro com o outro. Sei também que esse livro misterioso influenciou a minha escolha por ter fé, ou pelo menos de tentar ter, e por isso quis recuperá-lo e o inclui na minha lista de presentes de amigo oculto. So que, com o título errado, o livro errado. Tenho fé de que o encontrarei, mas, se não for uma questão de fé, que seja de esperança. Esperança de reencontrar um livro cujo título e autor eu esqueci, mas cujo conteúdo nunca me deixou. A memória da gente é uma coisa engraçada. O outro não deixa o legado de sua (nossa, diz ele, presunçoso) miséria para um filho, mas deixa suas memórias escritas para serem lidas e relidas por milhões (?) de pessoas pelos séculos dos séculos amém. (Será que é algum outro livro do Simenon? Mas porque Simenon escreveria sobre os questionamentos religiosos de um rapaz judeu? Não faz muito sentido para mim.)
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