segunda-feira, janeiro 28, 2008

Parménides, César Aira

A livraria Cultura tem alguns livros em espanhol do César Aira. Comprei (e li!) Parménides, livro de 2006. Diferente de Noites de flores e de Um acontecimento na vida do pintor viajante, ainda assim, genial. Vou colocar uns trechos por aqui:
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Ésta es la historia triste del escritor Perinola, que vivió acomienzos del siglo quinto antes de Cristo en una colonia griega dela costa italiana del sur. Cuando empezó la historia, aunque ya estaba empezando a dejar de ser joven, era un escirtor joven, una "promesa" como suele decirse; no había gran cosa en la que basar la promesa, pero con poco alcanza, y hasta con nada, si lo que sepromete es algo tan iverificabel com la poesía. En realidade no había escrito casi nada, y lo habían leído menos, pero eso no significaba que la consideración (un tanto ambigua, además) en que lo tenía un puñado de entendidos ou supuestos entendido en poesía careciera de todo fundamento. A veces se dan casos de adivinación social, que suelen entrar en la categoría de profecias autocumplidas. Eso puede deberse a que son tan escasos los escritores bueno que cuando aparece uno, entre mil malos, casi no necesita escribir para que alguien se dé cuenta. Y además está el hecho de que las falsas adivinaciones o las promesas que no se cumplen no se toman en cuenta.
(...)

Bem, a história que segue descreve os anos de convívio de Perinola e do filósofo pré-socrático Parménides, que, por não ter tempo ou preparo para escrever, contrata os serviços do jovem promissor para escrever seu livro, por ele. Perinola seria o primeiro ghost writer da história. Parménides entrou para história como o filósofo que incluiu a discussão do ser e o não ser na filosofia ocidental. Questão insolúvel sobre a qual os filósofos se debatem eternamente. Pois, César Aira usa a literatura para dar uma rasteira na filosofia e contar sua própria versão sobre o surgimento desse dilema hamletiano.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Coisas que eu gostaria de ter escrito (ainda o sono e o tempo)

"É muito tarde, minha cara, e ainda assim vou dormir, sem merecer. Bem, dormir mesmo não vou, apenas sonhar. Como ontem, por exemplo, quando no sonho eu andava até uma ponte ou um cais em cuja amurada por acaso havia dois telefones; eu levava os fones ao ouvido e ficava pedindo notícias dos "confins do mar", mas do telefone só vinha o bramir do oceano e um cântico sem palavras, triste, impressionante. Mesmo depois de perceber que nenhuma voz humana conseguiria sobrepor-se a tais ruídos, não desisti e ali fiquei."
Sonhos, Kafka, trad. Ricardo F. Henrique. Iluminuras


Hoje, estou especialmente sonolento, ainda que muito desperto.

O tempo parado de João Gilberto Noll

Do outro lado da rua, há um sebo. Beta de Aquários. Em sua vitrine, havia outro dia um lote de livros de João Gilberto Noll. Seis livros exatamente, todos da Editora Francis. Os preços variando de R$ 10 a R$ 15. Gastei R$ 65. Eram novos. Alguém teve prejuízo, outros lucraram.
Entrar numa livraria e roubar o tempo, comprar livros, é roubar dinheiro da família. Ler é roubar ainda mais tempo, ao mesmo tempo que se desfruta do objeto do crime. O tempo da leitura passou a ser criminoso e marginal.

Comecei a ler por Mínimos, múltiplos, comuns. Um livro estranho. Diz a apresentação, de Wagner Carelli:
João Gilberto Noll passou três anos e quatro meses na aplicada disciplina de escrever toda semana duas narrativas completas, e de porte incomum: cada relato estava confinado a um máximo de 130 palavras.


A primeira delas, que abre a seção chamada Gênese e que começa pelo Nada:
Nadas

Tecido Penumbroso
Como posso sofrer porque as coisas pararam? Elas andavam tão estouvadas! Por que não deixá-las dormir agora um pouco? Tudo se aquietou, é noite, o mundo vive pra dentro, cegando-se ao sol do sonho. Preciso um pouco desse conteúdo inóspito, ermo com um quase-nada. Não, não é morte, é uma espécie de lacuna essencial, sem a aparência eterna do mármore ou, por outro lado, sem as inscrições carcomidas. Pode-se respirar também na contravida. Depois então, a gente volta para o velho ritmo; aí já não nos reconheceremos ao espelho explícito, tamanha a qualidade desse tecido penumbroso que provamos.
Eu queria achar essa porta para um não-mundo, um não-tempo. Não se trata de uma busca do Nirvana, de fusão com o cosmo, de iluminação. Sequer uma passagem para um mundo mágico no fundo de um armário. Nada disso, ainda que tudo isso. Apenas poder ausentar-se. O mais próximo que já cheguei foi através da leitura e da escrita. Só que, ao retornar, as horas tinham se passado, o relógio não parou. E me vi de volta às horas, as horas, sem realmente ter saído delas. Acho que só mesmo a morte, e nem a morte é garantia de escapar ao tempo.
É melhor ler um livro, as próximas 130 palavras de Noll, talvez. De madrugada, quem sabe, quando as coisas adormecerem. Mas aí, estarei roubando o tempo do sono, um roubo impossível, pois a vítima sempre se derruba o criminoso na ressaca do dia seguinte.